ANTON TCHEKHOV
Maiakóvski foi
o primeiro autor russo que li. Eram tempos de Faculdade de História e lá se vão
mais de vinte anos. Um colega, emprestou-me uns três livros
(Leminski e Maiakovski). Gostei dos haikais do poeta curitibano, mas o russo me
arrebatou com seu vigor e retumbância. Maiakovski foi o poeta do socialismo, da
revolução, do futurismo, dos grandes embates, das campanhas contra o tifo, dos
cartazes e das camisas amarelas.
Num mundo em
revolução queria também revolucionar a arte e a estética do século vinte que se
iniciava. E o turbilhão revolucionário eclodiu em seu país, a Rússia, e se
sonhava que arrastaria consigo o mundo inteiro. Maiakovski deixou-se envolver
por ele e o acelerou com o melhor de suas energias.
“General
da força humana
-
verbo –
Marche
–
Que o tempo
Cuspa
balas
Para
trás,
E o vento
No passado
Só
desfaça
Um
maço
De
cabelos.
Para o júbilo
O
planeta
Está imaturo,
É
preciso
Arrancar
Alegria
Ao
futuro...”
Depois
lembro que comprei “A Poética de Maiakovski” do Boris Schnaiderman (Ed.
Perspectiva) e o li, e reli, muitas vezes durante todos esses anos. Este livro
me abriu um universo da arte russa, particularmente aquela de Moscou. (há uma
diferença enorme de escolas entre Moscou e São Petersburgo). Daria para dizer
que Moscou tem uma arte mais urbana, mais de vanguarda, e São Petersburgo
cultiva mais uma arte clássica, erudita. Mas, claro, essa é uma divisão “grosso
modo”; Se São Petersburgo tem o Mariinski, Moscou tem o Bolshói. Se Moscou tem Maiakovski
e os futuristas, São Petersburgo tem Akhmatova, Block e os simbolistas.
Via
Maiakovski (seus textos em prosa, seus debates e embates) fui conhecendo
Kliébnikhov, Brick, Pasternak (de Doutor Jivago), os futuristas e os
formalistas, e os duros anos iniciais da Revolução de 1917. É dele a frase: “Em
algum lugar, talvez no Brasil, existe um homem feliz”.
E
via Maiakovski conheci também Anton Tchekhov. E ter conhecido Tchekhov me abriu
uma outra estrada. Uma estrada para Puchkin, para Gogol, para Gorki, para
Turguenév e tantos outros, o que finalmente me permitiu chegar ao gigante
Dostoievski.
Com
Tchekhov pela primeira vez entrei nas aldeias e andei nas estradas do interior
frio da Rússia, em dias de nevasca; entrei em suas dachas e isbás, conheci mujiques
(camponeses), oficiais, soldados, burocratas, comerciantes de armazéns de beira
de estrada, mocinhas e mulheres desencantadas do século XIX. Pude sentir a
profunda nostalgia da imensa “Mãe Rússia” que bebe muito chá ao redor do
samovar e se embriaga com muita vodka nas festas santas dos domingos
desesperançados.
Anton
Pavlovitch Tchekhov nasceu em 1860 no sudeste da Rússia e morreu em 1904 com
apenas 44 anos. Formou-se médico, mas sua grande paixão foi a literatura. Autor
de famosas peças teatrais como “Tio Vânia” e o “Jardim das Cerejeiras” sua
grande obra sem dúvida foram os contos. Com eles Tchekhov atingiu a maestria. A
maestria das histórias curtas, da síntese e da concisão. Às vezes em apenas uma
página nos apresenta um mundo. E nos faz refletir.
Já
ao final de sua curta vida começa a escrever contos um pouco mais longos, mas
com a mesma capacidade de síntese e concisão de antes.
Tchekhov
introduz no conto russo (e no conto em geral) o cotidiano das pessoas comuns,
da gente simples das aldeias, com sua nobreza ingênua e sua rudeza que em
muitas vezes beira a crueldade.
Para
Tchekhov não cabe a um escritor julgar ou pré-julgar um personagem ou uma
história. Cabe a ele escrever simplesmente. E assim o faz. Apenas conta-nos com
objetividade, como se revelasse um retrato do momento, deixando os julgamentos,
as filosofias, as morais e os pesares para serem vividos pelos leitores. E há
muito para se refletir em seus contos. Nenhum é gratuito.
Em
1914 Maiakóvski escreveu um artigo intitulado “Os dois Tchekhovs” em que aponta que em sua época talvez ainda não
se tenha compreendido verdadeiramente Tchekhov como um “esteta da palavra”.
Aponta para o fato de Tchekhov não ser um filósofo ou moralista, mas um mestre
da palavra, da língua, ou seja, seus contos seriam plenos de soluções
lingüísticas, e não morais. Suas construções seriam simples e precisas, dizendo
o que queria de uma forma absolutamente econômica.
Coisa
de gênio; que já prenunciava o futuro: economia e objetividade. Novas palavras
e novas formas para novos homens que acorriam a novas cidades nos novos tempos.
A vida urbana e cultural da Rússia se desenvolvia no final do século XIX
(diferente do que contam os livros de história). Novos problemas e novos
personagens surgiam. E as aldeias dos mujiques e dos coletores de impostos
melancolicamente resistiam.
No
livro que acabo de ler “O Assassinato e
Outras Histórias”, de Tchekhov, dos Clássicos
da Abril Coleções, estão presentes todos esses elementos. São contos um
pouco mais longos, embora todas as construções sejam simples, diretas,
sintéticas e econômicas. Em Tchekhov não há uma palavra a mais nem a menos. Ele
nos leva pela mão com uma intensidade de atenção e termina meio bruscamente,
embora suave, como uma porta que bate às nossas costas com o vento. Quando
vemos já é tarde. Já terminou. E ficamos pensando “em não sei bem o quê”...
Coisa de gênio.
Se
vale a pena ler Tchekhov hoje? Tanto faz.