TIO VÂNIA
Em regra na
língua russa as palavras femininas terminam com as letras “a” e “ia”. Tio
(Diádia) é uma exceção das poucas que existem; mesmo terminando com “a” é uma
palavra masculina.
Vânia é um
diminutivo/apelido de Ivan.
“Diádia Vânia” então traduz-se por “Tio
Vânia”. . Esse é o título, já sinalizador do que viria, desta peça meio
dostoiévskiana de Tchékov.
Tchékov, como
sempre, tira das sombras vidas comuns, com problemas comuns de personagens do final
do século XIX russo (do qual já falei na resenha de “O Jardim das Cereijeiras”
neste blog). Aquele desencanto com a vida, agravado nos longos dias de nevasca
e só amenizado pela quentura do álcool.
O autor nos
leva para dentro de uma dacha (ou casa de campo) onde vive uma família comum
(um professor aposentado que sofre de gota ou reumatismo, sua jovem bela e
desencantada esposa; sua filha moça e feia; Uma viúva meio amargurada, meio
nostálgica, um cunhado e tio – o Vânia, também desencantado com a vida e deprimido
que percebe o vazio que construiu até então com os seus erros e escolhas; um
médico também desencantado com todo o resto e que se sente impossibilitado de
amar – e mesmo assim ama , trabalha muito percorrendo as estradas enlameadas do
interior à noite para socorrer doentes também desencantados em aldeias
miseráveis; Um proprietário falido e ignorante.)
São personagens
que encerram em si todo um fim de século no campo, marcado pelo fim da
servidão, abandono nos confins esquecidos da velha Rússia, pela pobreza, pela
decadência do que havia de nobre nas aldeias do interior do país e como o
álcool vai se tornando a grande panaceia e ao mesmo tempo o grande mal do
século.
Vânia não tem
saída; é tarde para ele; Ninguém tem saída. Sobra apenas uma esperança para “o
depois da vida”. E uma resignação. E continuar vivendo “até deus chamar” uma
vida sem alegria, sem esperança, sem novidade; Uma vida a ser resignadamente
cumprida, trabalhando e vivendo o que é posto.
E é só isso
mesmo. A peça não tem grande enredo e nem um grande desfecho. É marcada por
pequenas reflexões de pequenos personagens. O resto fica por conta de quem lê,
ou vê.
“...vivemos
cercados de pessoas absurdas – basta conviver com elas dois ou três anos e, aos
poucos, sem nem perceber, também nos transformamos em seres absurdos. É fatal.”
“... mas
o samovar tem que ficar fervendo desde
manhã cedo...”
“...
uma vida ociosa é uma vida impura...”
“...
eu amo a vida. Genericamente falando. Mas a nossa vida, o dia-a-dia da Rússia
provinciana, isso eu não suporto...”
“...
Na Rússia um homem de talento não atravessa a vida sem manchas.”