Julio Pujol
Petersburgo nasceu da visão e ousadia de um Czar,
Pedro, chamado “O Grande”, em 1703. Foi uma cidade planejada e construída como
a nossa Brasília; a diferença é que foi há uns 300 anos atrás.
Erguida num pantanal às margens do rio Neva,
Petersburgo (ou São Petersburgo) simbolizava para Pedro a porta de entrada (ou
janela) da Rússia para o Ocidente.
Com a visão de que a Rússia (quase feudal) precisava
se modernizar aproximando-se da Europa, Pedro concebeu a cidade com tudo o que
de melhor havia em seu tempo. Luxuosos palácios, arquitetura neoclássica,
planejamento urbano (que funciona bem até hoje), teatros, canais, parques...
Tradição e modernidade são marcas de Petersburgo.
Pedro chama suas principais ruas de “Perspectivas”
(Prospekt) e não de avenidas. É assim com a lendária Nevski Prospekt ou
Perspectiva Nevski. Perspectiva, de sua etimologia grega: “ver ao longe”. De
fato a Nevski Propekt, próxima às margens do rio Neva, possui mais de cinco
quilômetros em linha reta permitindo, realmente, ver ao longe.
Criada no inicio do século XVIII como um sonho, uma
visão, Petersburgo passou a ser a capital do imenso Império Russo, que naquela
época já ia do Cazaquistão ao Báltico, de Vladivostok à Ucrânia. São
Petersburgo nasceu para ser a síntese deste Império.
Pela sua inicial artificialidade e exotismo (uma
cidade de palácios no meio do nada) Petersburgo acabou construindo um mito
sobre si mesma. Um mito talvez forjado sob os milhares de russos mortos em sua
construção. (Imagine-se construir uma cidade de palácios no meio de pântanos
gelados há mais de trezentos anos atrás).
Dificílimo
falar de Petersburgo em poucas linhas. Uma cidade que fazendo jus ao seu mito,
foi palco de grandes e trágicos acontecimentos, principalmente no século XX.
Para além das intempéries climáticas como enchentes e nevascas, Petersburgo
sofreu muito com a intervenção política.
Em 1917 foi palco da Revolução comandada por Lênin que
ocupou o então chamado Palácio de Inverno (hoje Museu Hermitage). Uma revolução
que foi trágica para a cidade que já abrigava a melhor indústria russa, a vida
intelectual, os poetas, os teatros e as óperas; os bancos e os jornais, as
grandes orquestras e as editoras.
Então vieram as expropriações, a censura, as
perseguições à intelectualidade e a guerra civil. Na década de 1930/40 Stalin
dá mais um golpe à cidade, devastando com sua intelectualidade.
Em 1941 Petersburgo (então chamada Leningrado) é
cercada e bombardeada pelos nazistas durante novecentos dias. Três quartos de sua
população desaparece pela fome, pelo frio e pelos bombardeios. Mas Leningrado
resistiu.
Com o fim da União Soviética (ou do socialismo na
Rússia), na década de noventa, Leningrado realiza um plebiscito e decide
retomar seu antigo nome, São Petersburgo.
Com a abertura (a Perestroika e a Glanost) São
Petersburgo começa a retomar o seu papel de centro cultural russo-europeu.
Hoje Petersburgo é uma cidade aberta, dinâmica, lotada
de turistas de todo o mundo. As “noites brancas” são um atrativo a mais do verão
petersburguense.
UMA HISTÓRIA
CULTURAL
Se para a Rússia Moscou é força, economia, política,
São Petersburgo é arte. Arte que transborda em cada esquina, em cada prédio, em
cada canal, em cada ponte.
Moscou tem hoje onze milhões de habitantes e concentra
o poder político (no Kremlin) de todo o país. São Petersburgo com quase cinco
milhões, concentra grande parte do turismo; um turismo essencialmente cultural.
Seus teatros, bares, restaurantes estão sempre lotados. Os passeios de barco
pelos canais e pelo Neva são imperdíveis. Os palácios como Peterhof são estupendos.
Na realidade apenas passear pelas ruas e observar a arquitetura, os monumentos,
e as grandes perspectivas já vale a viajem.
O livro “São
Petersburgo, uma história cultural” do músico, crítico cultural e escritor
petersburguense, Salomon Volkov (Editora Record, 1997) mostra-nos a Cidade de
Pedro através de uma perspectiva histórico- cultural, situando-a ao lado das
grandes capitais culturais do mundo como Paris, Roma e Barcelona. É uma preciosidade. (nem sempre
“preciosidade” refere-se a algo raro ou antigo. Às vezes o termo refere-se ao
conteúdo de uma obra. Esse é o caso).
Com essa obra Volkov faz, no campo cultural, para a
Rússia, o que anteriormente já havia feito Soljenitsin no campo político com o
“Arquipélago Gulag”. Uma obra definitiva. Um clássico. (para quem se interessa
pelas coisas da Rússia essas duas publicações são imprescindíveis).
Sem dúvida “Uma história Cultural” é um livro mais
“útil” aos profissionais e amantes da música, do balet, da poesia, da
literatura e da história. Porém aos contemporâneos de seu tempo, interessados
no humano e suas manifestações, é um livro quase imperdível.
Quem não está disposto e aberto não deve aventurar-se
por suas mais de seiscentas páginas. Mas, aos de alma e curiosidade aberta é
uma bela aventura, um belo passeio pela cultura desta metrópole, ao mesmo tempo
regional e cosmopolita. Um tanto exótica (no sentido de estranha), porém, como
quase tudo que os russos fazem, grande e única. O livro é uma delícia.
Volkov pega o “fio” do mito petersburguense e
descortina a sua modificação e evolução através da história e das manifestações
culturais. É preciso lembrar que Petersburgo é a cidade onde brilharam Glinka e
os “Cinco Grandes” na música (Korsakov, Mussorgski, Cui, Borodin e Balakirev),
também Tchaikoviski, Rachmaninov, Shostakovich e tantos outros.
Pushikin, Gogol, Tchekov e Dostoiévski (assim como
tantos outros também...) tiveram Petersburgo como cenário de suas obras.
É a cidade dos poetas Block e Akhmatova, e também de
tantos outros...
No balet, tem e teve os melhores do mundo (bailarinos,
coreógrafos, produtores) Balanchine, Nijinski, Petipa, Barishinikov e também
tantos e tantos... Claro, é sede do Mariinski e do Kírov.
Impossível falar de Petersburgo nestas poucas linhas.
Teria que citar a excelência acadêmica, o complexo militar marítimo, falar do
Hermitage, da Fortaleza de Pedro e Paulo, das Igrejas, da livraria Dom Kiniga,
da Nevski, do Jardim de Verão, do Teatro Alexandrinski e do povo, claro; do
jeito petersburguense de ser.
Uma
experiência: ao visitar Petersburgo
não espere uma experiência comum, normal. A cidade se impõe sobre você desde o
primeiro momento. Acostume-se a andar em uma galeria a céu aberto. Cada prédio,
cada esquina, cada canal, cada ponte é uma obra de arte. Em alguns momentos
você pensa: “eu só queria uma cidade normal”; é muita arte, muita beleza, muita
grandiosidade. E o Neva está sempre ali, calmo e silencioso, como que guardião
do espírito da cidade.