Rússia: O que ela faz com a
gente
Louise Bassini
Há um silêncio escondido no som do ar fresco do verão russo. Ele
dialoga conosco quando, de súbito, adentramos uma rua vazia. Memórias que antes
não nos pertenciam acariciam-nos e, num repente, somos invadidos por milhares
de sentimentos que passam a ser nossos. E os nossos sentimentos passam a ser do
vento. Nessa troca irreversível, você vê a si mesmo nas folhas das árvores,
reconhece com mais familiaridade o cheiro das coisas, misturam-se realidade e
pensamento em coisa vivida, sem linhas de corte.
A Rússia não é apenas suas construções majestosas, seu colorido,
seus Ladas e Mercedes. A Rússia é o que ela faz com a gente quando estamos
sozinhos. É o momento em que fica só você e ela. O sentimento mais puro de
intimidade e contato com o ambiente. O que ela faz com a gente é uma coisa de
mulher amada e louca. Ela demanda amor demais e, ao mesmo tempo, parece uma
garantia de porto seguro de amor em retorno. Você se sente aconchegado no amor
de um território que sofreu tanto, que aprendeu a ter ternura diante das crises
mais obscuras.
Ela é aquela cicatriz latente que a gente tem orgulho de mostrar
porque sobrevivemos ao ataque que a deixou na nossa pele. Não é pouca coisa,
jamais será insignificante.
É aquele amor aparentemente estável que nos invade como um
turbilhão apenas com a leitura de uma frase, escolhida ao acaso em um livro.
Como se essa frase fosse um segredo a ser divido entre você e ela, e há um
misto de lágrima de comoção com um sorriso de satisfação.
Ela é todo um universo de tudo que está dentro, exteriorizado em
imagem e colorido do lado de fora. E quando alguém pergunta, em tom de deboche:
“Você realmente gosta da Rússia, hein?”, eu tenho o orgulho e a certeza de
poder responder: “Eu não gosto. Eu a amo.”.
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