“Domingo
frio... um bom (lugar) pra ler um Sêneca...”
Sim um Sêneca. E por que não um Sêneca? Talvez seja difícil, complicado, inatingível,
ou caro? Talvez seja antigo, velho ou ultrapassado. Talvez seja para
especialistas ou eruditos... Talvez ninguém leia; ninguém saiba. Talvez...
Mas, parodiando Romano de Santana:
“gente, estamos em julho de 2014, e é de tarde, e chove... e um fio de cabelo
branco já me surge...” E lembrando Bandeira: “lá fora chovia uma triste chuva
de resignação...”.
Sêneca é um clássico, e por isso vale a pena lê-lo. E
o que é mesmo um clássico ou porquê alguém se torna um clássico? E porquê
alguém deveria ler um clássico? Num universo turbilhionado de publicações como
saber o que ler? Como aproveitar o nosso raro tempo com algo que valha a pena?
Sem delongas, um clássico é um que escreve partindo de
um critério, o critério da vida (da natureza ou do real, que neste caso são
sinônimos). O resto é doxa (opinião) e de doxa o mundo está cheio. Mas como
saber?
Para saber existem dois caminhos seguros. O primeiro é
um critério próprio: o que me faz mais vida. O que me faz crescer; me faz mais,
me expande (e isso é sinônimo de bem). É mais vida para mim? Me faz compreender
mais? Então é válido. O segundo critério é receber orientação de um sábio; de
alguém que já trilhou antes o caminho que eu pretendo trilhar. Com humildade se
encurta esse caminho e se acelera o passo.
Tem uma terceira dica: olhar as listas dos 10 mais
vendidos nas Feiras e as críticas dos especializados. E vá sozinho na direção
contrária porque os clássicos e a sabedoria da vida normalmente não estão nestas
listas.
Sêneca é um autor que poucos leem, mas encontramos
suas frases nos marcadores de livros, principalmente das congregações. Um autor
cujos escritos perduram por dois mil anos já é um motivo ao menos de
curiosidade. Isso também o torna um clássico, mas clássico e antigo não são
sinônimos. De fato Sêneca era um sábio porque atingiu a sabedoria da vida, do
real e por ela se guiou; compreendeu e praticou a virtude, e sobre ela
escreveu.
Neste chuvoso domingo leio “Da Felicidade”, um Tratado
curto e singelo, com indicações simples para quem quer começar a andar,
transformando um domingo de chuva em um dia de sol.
E o que diz “Da Felicidade”?
Sêneca diz que para alcançarmos a felicidade devemos “determinar, por isso, em primeiro lugar, o
que desejamos e, em seguida, por onde podemos avançar mais rapidamente neste
sentido.” Traduzindo para a linguagem atual, para sermos felizes precisamos
ter um objetivo, um projeto que dê sentido a vida. E Sêneca diz que normalmente
esse caminho não é o mais percorrido:
“Nada é mais
importante, portanto, que não seguir como ovelhas o rebanho dos que nos
precederam, indo assim não aonde querem que se vá, senão onde se deseja ir. E,
certamente, nada é pior do que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencido
de que o melhor é aquilo a que todos se submetem, considerar bons os exemplos
numerosos e não viver racionalmente, mas sim por imitação”.
“Morremos seguindo o exemplo dos demais. A saída é nos
separarmos da massa e ficarmos a salvo.”
“... Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que
as coisas melhores agradem a maioria. A multidão é argumento negativo. ... o
vulgo é um péssimo intérprete da verdade...”
Para Sêneca o caminho da felicidade é o caminho da
virtude. E o caminho da virtude é um caminho difícil, um tanto solitário.
Seguindo os outros nunca se chega. A felicidade e a sabedoria (a virtude)
consistem em seguir os ditames da natureza (da vida) e nunca se afastar deles. “A felicidade
é, por isso, o que está coerente com a própria natureza...”. Natureza
aqui entendido como as grandes leis e os grandes princípios da vida. Daí advém
“uma constante tranquilidade e liberdade”.
Para ele “o bem supremo é uma alma que despreza as coisas
fúteis e se satisfaz com a virtude”, “para quem o único bem é a dignidade e o
único mal é a desonestidade”. “A virtude é algo de elevado, nobre, invencível e
infatigável”, distanciando-se, portanto, dos prazeres imediatos que “não tem
consistência” e desviam o homem da virtude. Sêneca afirma que o homem “seja
o próprio artífice de sua vida” e não seja comandado pelos prazeres
externos. Embora, o sábio latino afirma também que a virtude gera um prazer,
mesmo que este não seja o seu fim. E compara com um campo arado para o plantio
onde brotem também flores. Esse não era o seu objetivo, mas elas são bem
vindas.
O sábio, para Sêneca, inclui os prazeres “em sua vida
tal como peças de um jogo, misturando-os as coisas mais sérias, de forma a não
se destacarem. Vive-os de forma
moderada, comedida, controlados e pouco perceptíveis...”. A virtude exige
encarar as coisas da vida, sejam as boas quanto as duras, com espírito forte.
E o que se ganha com tudo isso? Sêneca responde:
“privilégios dignos dos deuses. Não serás forçado a nada; não terás necessidade
de nada. Serás livre”. A liberdade para Sêneca é o grande bem.
E o sábio (homem virtuoso) sempre é atacado pelos seus
próximos “já que a virtude alheia parece demonstrar os seus próprios vícios”,
assim como o homem que “tem problemas na vista não suporta a luz”.
Por fim Sêneca explica a relação do sábio com a
riqueza: “Assim, não resta dúvida de que o homem sábio tem um campo mais vasto
para desenvolver o seu espírito em meio à riqueza do que na pobreza”. “...portanto a riqueza é agradável ao sábio
assim como o vento favorável ao navegante”. Mas o sábio não é escravo da riqueza,
ele convive bem com ela e a usa para potencializar o bem.
Lúcio Anneo Sêneca nasceu em Córdoba, Espanha, cidade
que tive o prazer de conhecer a alguns anos. Uma mescla de cultura e arquitetura
árabe, judia e romana. Uma joia. Sêneca nasceu no ano 4 AC e morreu em 65 DC e foi
educado em Roma onde estudou retórica e filosofia. Como vimos, seus escritos
tem atravessado os séculos assim como os de Cícero, Platão, Aristóteles...
Uma coisa boa deste nosso tempo é que se pode
encontrar textos de Sêneca, e de tantos outros clássicos, em qualquer médio
mercado da esquina, ou em livrarias de bairro, em publicações da L&PM por
em torno de dez reais. Não dá pra não ler. Acho que ganhei o domingo.
“Onde houver um ser humano, aí haverá possibilidade de
se fazer o bem.” Sêneca.
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