quarta-feira, 1 de outubro de 2014

UM PEQUENO NABOKOV

Um pequeno Nabokov

Por paradoxal que pareça levei uns dois anos para ler este pequeno livro de treze contos de Wladimir Nabokov com pouco mais de cento e cinquenta páginas.
            Era um livro que não fluía; um pouco pela forma, um pouco pela temática. Lia um conto e estranhava. Parava e só retomava dias ou meses depois. Mas não era ruim.
            Cada conto de “Detalhes de um Pôr-do-Sol” é como um ovo estalado no óleo quente: intenso e definitivo. Nabokov nos joga cada um sem muita explicação, sem muito enredo e sem muito mistério. Inteiro e finito.
            Os contos foram escritos entre 1924 e 1935 em Berlim por um Nabokov ainda jovem, recém emigrado da Rússia após a Revolução de 1917  empobrecido e foram publicados em jornais de Riga, Berlim e Paris ajudando no sustento do autor.
            A linha condutora dos contos é um sentimento de grande angústia temperada de ausências e perdas. Após a Revolução Nabokov teve que abandonar o seu país e isso o marcou profunda e permanentemente. Nos seus escritos percebe-se uma silenciosa nostalgia da Rússia.
            No primeiro conto, que dá título ao livro, o autor narra que Mark e Klara iam se casar em uma semana. Retorna um antigo amor de klara. Mark, pega o bonde, feliz ao final do expediente.  Pula para descer. Cai e é atropelado. “...quando se despediu do amigo, o clarão de um pôr-de-sol avermelhado inundava a vista do canal...”. Morre. O autor descreve e reflete sobre a morte. Mark não vê Klara, que já está com outro. E é isso. Fica o silêncio.
Em “Um Mau Dia”, Berlim, 1931 – ainda na Rússia, meninos vão para um sítio no interior. Peter e a irmã mais velha. Os primos vão brincar. É chato para Peter. Brincam de se esconder. E se esquecem de Peter.
Depois, um menino que descobre na escola que o pai vai participar de um duelo. Ao final, o duelo não acontece. E o menino desanda a chorar.
Em “O Retorno de Tchorb” de novo a presença da ausência: Tchorb sai em lua-de-mel  pela Europa. A sua jovem mulher morre eletrocutada em uma pequena estrada em Nice. Ele trabalha a perda não contando para ninguém. Resolve retornar pelo trajeto que haviam feito juntos pela Europa. Num hotel vagabundo dorme com uma prostituta. É seu último desafio: dormir no mesmo hotel de sua primeira noite com a sra. Tchorb.
“O Passageiro” – Escritor conta a um crítico uma história em uma viagem de trem. Numa outra viagem, numa cabine dupla, um homem chega de madrugada. O escritor só vê o seu pé na escada do beliche. O homem chora toda a noite. O escritor nunca soube o motivo, e nem nunca viu o rosto daquele homem.
Na “Carta que nunca chegou a Rússia” o homem emigrado em Berlim escreve carta contando impressões de seus dias e suas melancolias a uma ex-namorada de São Petersburgo. Fala de sua solidão, e dos emigrados, em Berlim. “Sinto a alma tão leve que às vezes me divirto olhando as pessoas dançarem no café do bairro. Muitos dos meus companheiros de exílio denunciam indignadamente ( e nessa indignação há uma pitada de prazer) as abominações que estão hoje em voga, inclusive as danças atuais. Mas a moda é a expressão da mediocridade  humana, um certo padrão de vida, a vulgaridade do que é igualitário, e denunciá-la significa admitir  que a mediocridade pode criar alguma coisa (seja uma forma de governo ou um novo penteado) digna de nossa atenção...”
No “Reencontro” Lev, emigrado da Rússia em Berlim tem notícia da chegada de seu irmão Serafim que havia ficado e agora viajava em uma missão oficial. Ficaria por um dia. Era Natal. Fazia dez anos que haviam se separado. Encontram-se. Não tinham nada para falar. Era uma cena patética.
“A campainha da porta”. Homem (soldado) sai da Rússia. Viaja pelo mundo. Depois de sete anos vai procurar a mulher amada em Berlim. Era russa. Na realidade a mulher é a mãe dele. Acha a casa dela. Conversam. A mesa estava posta para dois. Alguém bate na porta. Um silêncio constrangido. Não abrem. Despedem-se por mais um ano.
Assim, os contos nos deixam um pouco aturdidos. Pela sutileza de algumas construções, pelo humor erudito, pelo apelo ao inusitado, seja no conteúdo quanto na forma, já transparece o traço e a inquietude do gênio. Estava nascendo um grande escritor do século vinte: num dos contos, ao olhar nos olhos de um menino na rua pensa: “vi, de relance, as lembranças futuras de alguém”.
“Detalhes de um pôr-do-sol” é um livro que retrata um pouco da tragédia pessoal escondida nos silêncios de cada vida humana. Uma tragédia lenta, chorada “pra dentro”, melancólica. Uma trajetória de perdas, de enganos e de desencontros. Mas também pode vislumbrar uma silenciosa e melancólica esperança, um fio tênue de amor a existência. Uma alegria. Alguns raios de sol vermelhos. “...e os passageiros foram brindados com o cheiro penetrante de campos recém-ceifados, o rangido ponderoso  das rodas e a visão fugidia de saudades e margaridas murchas em meio ao feno...”.
“quando se viaja como ele viajava, a gente se esquece dos nomes do tempo, que são expulsos pelos nomes dos lugares.”
“... os pensamentos de uma mulher quando apoia o queixo na mão...”
“...Tal como a maioria das pessoas que lêem pouco, tinha uma afeição servil pelos dicionários...”
Sim, de fato, já é um Nabokov.