quinta-feira, 24 de julho de 2014

NABOKOV - TRIÂNGULO SENSUAL




TRIÂNGULO SENSUAL – WLADIMIR NABOKOV




         Nabokov emigrou da Rússia após a revolução, mas a Rússia nunca o deixou. É brilhante. Indecifrável.
         Um autor de temas sensuais? Não só. Muito mais. Um homem que navega na periferia da alma humana e a penetra pelos flancos; sem muita filosofia. De modo meio cru.

        Em “Triângulo Sensual” (1932), em inglês “Riso no Escuro” (1938) Nabokov explora o tema que seria eternizado duas décadas depois em “Lolita”. Sim, eternizado.
         Neste livro, Nabokov, coloca em confronto modelos, trajetórias e personalidades sem, entretanto, fazer nenhum juízo de valor, simplesmente deixando “escorrer” a história. E ela “escorre” de modo horizontal e tenso. E termina do mesmo modo: horizontal e tenso.
        Albinus, um homem maduro (na Berlin dos anos 30), bem sucedido, casado, com uma filha de 8 anos, apreciador das artes envolve-se e apaixona-se por uma moça de 16-18 anos. À partir daí sua vida se transforma e transtorna. Separa-se da esposa. Afasta-se dos amigos. Confunde seus valores.
        A Moça, Margot, quer tudo o que Albinus pode oferecer. E consegue. Albinus separa-se e passa a viver com Margot no apartamento em que antes vivia com a esposa Elisabeth. Albinus passa a viver com Margot prazeres para ele desconhecidos. Mas, eis que reaparece na vida dos dois Rex, um ex-amante de Margot. Albinus não sabia de nada e passam a ser amigos. Rex frequenta a casa e a intimidade do casal. E inicia-se um novo romance, agora secreto, entre Rex e Margot.
        O novo casal resolve sair em viagem pela Europa e convida Rex para acompanha-los como motorista, embora ele fosse um artista plástico (já meio falido). No outro vértice do triângulo o casal trama como tirar todo a riqueza de Albinus e depois fugir.
        Albinus descobre a trama num hotel de campo em meio à viagem. Transtornado sai de carro e sofre um acidente. Acaba ficando cego. Margot o convence que tudo foi um mal entendido e que Rex já voltou para os Estados Unidos e, de fato, era gay. Passa então a cuidar dele com “comovente dedicação”.
         A tragédia ainda não terminou. Vão viver num chalé nas montanhas suíças para tentar a reabilitação de Albinus. Secretamente Margot leva seu amante Rex para a mesma casa. Margot e Rex vivem seu romance sob as barbas de Albinus enquanto Margot o faz assinar cheques e transferir sua riqueza. O plano é tirar tudo dele e abandoná-lo.
        Para Rex é um divertimento sentar à mesa, à sala, no jardim, tomar sol e debochar, com Margot, daquele meio-ser em que se transformou Albinus. Albinus, por sua vez, conforma-se com o repouso imposto pelo médico e por Margot e imagina estar sofrendo alucinações auditivas (eventualmente ouve vozes, passos, risos...).
         O fim da tragédia? Só lendo o livro. Vou poupar os amigos e deixar que vocês mesmos descubram. Deliciem-se com Nabokov.
        À Cezar o que é de Cézar.

          “Era uma vez um homem chamado Albinus que vivia em Berlim, Alemanha. Era rico, respeitável, feliz. Um dia abandonou a esposa por uma amante jovem. Amava; não era amado – e sua vida terminou em desastre.
         Eis aí toda a história, e bem poderíamos abandoná-la neste ponto se não houvesse prazer e vantagem em contá-la. Embora haja espaço mais do que suficiente numa pedra tumular para conter, encadernada em musgo, a versão resumida da vida de um homem, os pormenores são sempre bem recebidos.” (Nabokov, primeiro parágrafo)


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terça-feira, 22 de julho de 2014

DOSTOIÉVSKI - O IDIOTA

O IDIOTA – DOSTOIÉVSKI (Fiodor Mikhailovitchi)



        Terminei de assistir por esses dias a minissérie russa baseada na obra “O Idiota” de Dostoiévski (1821-1881). São dez capítulos de aproximadamente cinquenta minutos cada, em língua russa legendado para o português.

        Como em todas as histórias de Dostoiévski que li (e nesse caso assisti) o roteiro serve apenas de pano de fundo para a expressão exacerbada (exagerada diria Cazuza) do turbilhão interior de cada personagem. O modo de condução dos diálogos e a constituição dos personagens são tão familiares a quem leu ao menos um Dostoiévski que parece que estamos lendo (ou vendo) a continuidade de uma outra história. Mesmo os personagens que não aparecem (porque de fato pertencem a outro romance) parece que já vão chegar, que estão “por ali”. E os personagens que aparecem no “O Idiota” aparentam ter vindo de outra história.
         E assim a trama do Universo dostoiévskiano vai se compondo. “Crime e Castigo”, “Noites Brancas”, “Os Irmãos Karamázov”, “Notas do Subsolo” e até mesmo “O Jogador” compõe um mesmo enredo, uma mesma história, um mesmo cenário, que tem como fio condutor a profunda angústia humana que parece em “O Idiota” atingir o seu ápice. Exceção me parece o “Memórias da Casa dos Mortos” que é mais autobiográfico do período em que o autor ficou preso e exilado na Sibéria no período czarista, muito ao estilo Soljenitsin e seu “Arquipelago Gulag”.
        Abrindo um parêntese, é interessante a leitura destas duas últimas obras para se ter um parâmetro do que era o horror das prisões e exílios na Rússia do tempo dos czares e depois como os comunistas os suplantaram infinitamente em crueldade.
        Parece que pela diversidade de personagens, que dialogam o tempo todo, desfila a mesmice da incompreensão humana. Ao mesmo tempo parece que a mesmice humana se expõe através de uma monótona diversidade de personagens. O homem, um interrogador, um que quer ter valores, posicionar-se com honra neste mundo; um homem que é assolado por baixezas e fraquezas o tempo todo. Eis o universo. Exagerado. De um exagero russo. Toda sua vivência é uma filosofia. Dostoiévski descobriu antes de Gorki a profunda filosofia popular russa. O que eles tem de mais democrático.
       Os personagens: a doce, forte e rebelde Aglaia... Dúnia.., Sônia... O eterno Raskolnikov. Dmitri Karamazov, o Príncipe Michikin, Porfiri Parfion, Liebediev... Kólia... Rogogin... A inconstante, apaixonada, exagerada Grushenka... Nastácia Filipovna...
São personagens marcantes, nos ficam íntimos, embora todos meio loucos (um escândalo de salão, uma briga, um desmaio), se equilibrando no mundo e em si mesmos, seja num discurso amoroso, religioso, filosófico ou político. Nenhum como Raskolnikov. 
        Mas “O Idiota” príncipe Liev Nikolaievitch Míchkin, não era tão idiota assim ou, não mais e não menos que os demais humanos. Dostoiévski não responde. Deixa continuar como que sugerindo que seu escorrer é eterno.
Sobre o filme? Um filme como deve ser: fiel a Dostoiévski, o que não é nada fácil. Fiel aos personagens, aos diálogos, aos cenários e principalmente ao ritmo das histórias dostoiévskianas. Grande achado.

Diretor: Vladimir Bortko
Duração: 502 min
Ano: 2003
País: Rússia

quinta-feira, 17 de julho de 2014

LÊNIN



Lênin
eu lembro
que lia
e achava
que era
aquilo
que eu queria
dizer
e fui
fazendo
cada dia
um tempo

Lênin
eu lembro
que o futuro
era
de tarde
ou tarde
e eu
queria
agora
tudo
e juntos
o mundo
seria
um outro

Lênin
eu via
tua foto
e tua tês
dizia
que era
a hora
agora
de olhar
e fazer
de novo
o novo

Lênin
o tempo
(branco)
montou
aquele
amanhã
e matou
um pouco
daquilo
que tu (eu)
via
e já
é hora
de olhar
de novo
- o novo

Lênin
um passo
errado
um grande
que era
não é

mais

Lênin
se foi
um dia
pra nós
um sonho
agora
resiste
um homem
um tempo
infinito
como um
ontem

Lênin
amanhã
eu lembro
será
pra nós
um tempo
verde
“vinces”
vorrei
um rei
e tu

Lênin
se parto
na praça
vermelha
e vejo
teu vulto
escuto
um outro
outubro
e ando
um passo

Lênin
um homem
que vai
encontra
um outro
e canta
um sol
vermelho
um fogo
um peito
de dona
um mar

Lênin
agora
pra nós
não falta
nada
na água
que vai
molhar
o dia
o teu
o meu
andar.

Setembrooutubrodeumanodesses







terça-feira, 15 de julho de 2014

DZIGA VERTOV - UM HOMEM COM UMA CÂMERA

UM HOMEM COM UMA CÂMERA

Aquisição recente, no último Fórum Social Temático, o filme “Um Homem com uma Câmera” do diretor russo Dziga Vertov é impactante.
Filme genial, embora experimental, ou talvez mesmo por isso. Produzido em 1929, na antiga União Soviética, é um filme que se propõe sem roteiro, sem cenários, sem atores, sem diálogos. E cumpre a proposta.
É um somatório de imagens captadas nas situações cotidianas da Moskow da década de vinte do século passado e, óbvio, trabalhadas (misturadas, refletidas, aceleradas, rompidas) por Vertov.
Vertov permitiu-se levar ao limite a linguagem cinematográfica que nascia, rompendo drasticamente com a literatura e o teatro. O filme é uma experimentação no sentido lato da palavra; e uma experimentação bem feita já que é belíssimo.
Absolutamente de vanguarda, abre fronteiras da arte e, no meu entender, dialoga e de certa forma é uma continuidade do Futurismo Russo (de Maiakóvski e Brick), meio cubista, meio surreal, que tornou-se possível num país que há uma década vivia o maior processo revolucionário que a humanidade jamais conheceu. Uma ode ao movimento, à indústria, ao progresso, e ao homem.
Vertov foi um desbravador; criou ainda o Kino Glaz (Cinema olho) e o Kino Pravda (Cinema verdade).
“Um homem com uma câmera” (Tchelovek c Kino Aparattom): Uma ideia simples, que em 1929 já revolucionou um cinema que apenas dava os seus primeiros passos. Se fosse produzido hoje diria-se ainda o mesmo: genial e revolucionário. Para o expectador, excitante e emudecedor.
Sim, tudo isso.


domingo, 6 de julho de 2014

Ler Sêneca

“Domingo frio... um bom (lugar) pra ler um Sêneca...”

         Sim um Sêneca. E por que não um Sêneca?  Talvez seja difícil, complicado, inatingível, ou caro? Talvez seja antigo, velho ou ultrapassado. Talvez seja para especialistas ou eruditos... Talvez ninguém leia; ninguém saiba. Talvez...
         
           Mas, parodiando Romano de Santana: “gente, estamos em julho de 2014, e é de tarde, e chove... e um fio de cabelo branco já me surge...” E lembrando Bandeira: “lá fora chovia uma triste chuva de resignação...”.
Sêneca é um clássico, e por isso vale a pena lê-lo. E o que é mesmo um clássico ou porquê alguém se torna um clássico? E porquê alguém deveria ler um clássico? Num universo turbilhionado de publicações como saber o que ler? Como aproveitar o nosso raro tempo com algo que valha a pena?
Sem delongas, um clássico é um que escreve partindo de um critério, o critério da vida (da natureza ou do real, que neste caso são sinônimos). O resto é doxa (opinião) e de doxa o mundo está cheio. Mas como saber?
Para saber existem dois caminhos seguros. O primeiro é um critério próprio: o que me faz mais vida. O que me faz crescer; me faz mais, me expande (e isso é sinônimo de bem). É mais vida para mim? Me faz compreender mais? Então é válido. O segundo critério é receber orientação de um sábio; de alguém que já trilhou antes o caminho que eu pretendo trilhar. Com humildade se encurta esse caminho e se acelera o passo.
Tem uma terceira dica: olhar as listas dos 10 mais vendidos nas Feiras e as críticas dos especializados. E vá sozinho na direção contrária porque os clássicos e a sabedoria da vida normalmente não estão nestas listas.
Sêneca é um autor que poucos leem, mas encontramos suas frases nos marcadores de livros, principalmente das congregações. Um autor cujos escritos perduram por dois mil anos já é um motivo ao menos de curiosidade. Isso também o torna um clássico, mas clássico e antigo não são sinônimos. De fato Sêneca era um sábio porque atingiu a sabedoria da vida, do real e por ela se guiou; compreendeu e praticou a virtude, e sobre ela escreveu.
Neste chuvoso domingo leio “Da Felicidade”, um Tratado curto e singelo, com indicações simples para quem quer começar a andar, transformando um domingo de chuva em um dia de sol.
E o que diz “Da Felicidade”?
Sêneca diz que para alcançarmos a felicidade devemos “determinar, por isso, em primeiro lugar, o que desejamos e, em seguida, por onde podemos avançar mais rapidamente neste sentido.” Traduzindo para a linguagem atual, para sermos felizes precisamos ter um objetivo, um projeto que dê sentido a vida. E Sêneca diz que normalmente esse caminho não é o mais percorrido:
“Nada é mais importante, portanto, que não seguir como ovelhas o rebanho dos que nos precederam, indo assim não aonde querem que se vá, senão onde se deseja ir. E, certamente, nada é pior do que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencido de que o melhor é aquilo a que todos se submetem, considerar bons os exemplos numerosos e não viver racionalmente, mas sim por imitação”.
“Morremos seguindo o exemplo dos demais. A saída é nos separarmos da massa e ficarmos a salvo.”
“... Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que as coisas melhores agradem a maioria. A multidão é argumento negativo. ... o vulgo é um péssimo intérprete da verdade...”
Para Sêneca o caminho da felicidade é o caminho da virtude. E o caminho da virtude é um caminho difícil, um tanto solitário. Seguindo os outros nunca se chega. A felicidade e a sabedoria (a virtude) consistem em seguir os ditames da natureza (da vida) e nunca se afastar deles. “A felicidade é, por isso, o que está coerente com a própria natureza...”. Natureza aqui entendido como as grandes leis e os grandes princípios da vida. Daí advém “uma constante tranquilidade e liberdade”.
Para ele “o bem supremo é uma alma que despreza as coisas fúteis e se satisfaz com a virtude”, “para quem o único bem é a dignidade e o único mal é a desonestidade”. “A virtude é algo de elevado, nobre, invencível e infatigável”, distanciando-se, portanto, dos prazeres imediatos que “não tem consistência” e desviam o homem da virtude. Sêneca afirma que o homem “seja o próprio artífice de sua vida” e não seja comandado pelos prazeres externos. Embora, o sábio latino afirma também que a virtude gera um prazer, mesmo que este não seja o seu fim. E compara com um campo arado para o plantio onde brotem também flores. Esse não era o seu objetivo, mas elas são bem vindas.
O sábio, para Sêneca, inclui os prazeres “em sua vida tal como peças de um jogo, misturando-os as coisas mais sérias, de forma a não se destacarem.   Vive-os de forma moderada, comedida, controlados e pouco perceptíveis...”. A virtude exige encarar as coisas da vida, sejam as boas quanto as duras, com espírito forte.
E o que se ganha com tudo isso? Sêneca responde: “privilégios dignos dos deuses. Não serás forçado a nada; não terás necessidade de nada. Serás livre”. A liberdade para Sêneca é o grande bem.
E o sábio (homem virtuoso) sempre é atacado pelos seus próximos “já que a virtude alheia parece demonstrar os seus próprios vícios”, assim como o homem que “tem problemas na vista não suporta a luz”.
Por fim Sêneca explica a relação do sábio com a riqueza: “Assim, não resta dúvida de que o homem sábio tem um campo mais vasto para desenvolver o seu espírito em meio à riqueza do que na pobreza”.  “...portanto a riqueza é agradável ao sábio assim como o vento favorável ao navegante”. Mas o sábio não é escravo da riqueza, ele convive bem com ela e a usa para potencializar o bem.
Lúcio Anneo Sêneca nasceu em Córdoba, Espanha, cidade que tive o prazer de conhecer a alguns anos. Uma mescla de cultura e arquitetura árabe, judia e romana. Uma joia. Sêneca nasceu no ano 4 AC e morreu em 65 DC e foi educado em Roma onde estudou retórica e filosofia. Como vimos, seus escritos tem atravessado os séculos assim como os de Cícero, Platão, Aristóteles...
Uma coisa boa deste nosso tempo é que se pode encontrar textos de Sêneca, e de tantos outros clássicos, em qualquer médio mercado da esquina, ou em livrarias de bairro, em publicações da L&PM por em torno de dez reais. Não dá pra não ler. Acho que ganhei o domingo.
“Onde houver um ser humano, aí haverá possibilidade de se fazer o bem.” Sêneca.










terça-feira, 1 de julho de 2014

DOSTOIÉVSKI - QUASE UMA BIOGRAFIA

VERÃO EM BADEN-BADEN

     Esperando a próxima Feira do Livro em Porto Alegre terminei a leitura de Verão em Baden Baden de Leonid Tsípkin. (Cia das Letras. SP. 2003), aquisição ainda da última Feira.

   Tsípkin não era escritor de ofício. Era médico, cientista, nascido em 1926 em  Minski. Era judeu. Teve o pai preso em 1934 durante o “Grande Terror”. Duas irmãs e um irmão de seu pai foram mortos também neste período. Isso lhe causou um afastamento das questões da política. Mesmo assim foi também perseguido pelo regime soviético por ser judeu. Nunca conseguiu sair da URSS nem tampouco publicar seus escritos.

     Verão em Baden-Baden foi escrito entre 1977-80, período da crise do Afeganistão e publicado somente em 1982, fora da União Soviética, uma semana antes da morte do autor.

     É um romance histórico que conta a viagem de Dostoiévski e Ana Grigorievna , sua esposa,  à Baden-Baden, na Alemanha, em 1867, onde vão para Dostoiévski jogar no cassino; No percurso o autor vai nos apresentando a história da vida de Dostoiévski e um pouco da sua difícil e contraditória personalidade; Cristão e viciado em jogos, genial escritor humanista que não gostava de judeus; homem carinhoso e agressivo, decidido e dependente.

      Ao mesmo tempo conta a viagem do próprio autor de Moscou a Leningrado para perseguir os passos de Dostoiévski naquela cidade russa onde viveu e escreveu suas grandes obras como “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamázov”. Passado e presente se misturam, assim como as duas histórias.

     “Verão em Baden-Baden” é um livro difícil, não ruim. Pelo contrário, percebe-se nele o labor cuidadoso do ourives. Lembrou-me um pouco a leitura de “Fogo Pálido” de Nabokov, pela complexidade da narrativa e o paralelismo das histórias. Esse Nabokov, um livro denso, grande e erudito, li-o até o final e não compreendi do que se tratava; e até hoje não compreendo apesar de reconhecer sua grandeza. Mas isso é uma outra resenha.

     “Verão” é um livro tenso, não pelo conteúdo, mas pela forma. Não tem parágrafos nem capítulos. É uma leitura direta, chapada, e as cenas intercalam-se muito rapidamente, sem aviso, exigindo uma atenção de tirar o fôlego.
O roteiro não possui picos, ou seja, é horizontal; você sabe que vai ler o livro até o final e não vai acontecer algo extraordinário. É um acompanhar os passos de Tsípkin, de Dostoiévski e de Ana. E mesmo assim você não consegue parar de ler. Não recomendaria.

     Mas, como eu disse antes, não é ruim, tampouco mal escrito, pelo contrário. É um livro de certa forma para iniciados. Em alguns momentos Dostoiévski te pega pela mão e leva para as mesas de jogos do Cassino, de onde não conseguia sair, noutros te leva a debater com Turgueniev sobre  as peculiaridades da Rússia, ou noutros te apresenta Púshkin. E Tsípikin te puxa pela outra mão e te leva a caminhar pelas ruas de Leningrado, visitando suas belíssimas igrejas, as casas onde Dostoiévski viveu, os caminhos que Raskolnikov percorreu. Te faz recordar o “Grande Terror” stalinista e o cerco de novecentos dias durante a guerra.

     O livro termina quando os caminhos do autor e de Dostoiévski se encontram em São Petersburgo/Leningrado, na casa em que o autor de “O Jogador” morreu, onde “no auge do inverno de Petersburgo dia de verdade não existe – o amanhecer tardio vai imperceptivelmente se convertendo em crepúsculo prematuro”.
     
     
     E Tsípkin se pergunta: “O quê, propriamente, eu vim fazer aqui?”