quarta-feira, 15 de abril de 2015

TIO VÂNIA


 

TIO VÂNIA


Em regra na língua russa as palavras femininas terminam com as letras “a” e “ia”. Tio (Diádia) é uma exceção das poucas que existem; mesmo terminando com “a” é uma palavra masculina.
Vânia é um diminutivo/apelido de Ivan.
 “Diádia Vânia” então traduz-se por “Tio Vânia”. . Esse é o título, já sinalizador do que viria, desta peça meio dostoiévskiana de Tchékov.
Tchékov, como sempre, tira das sombras vidas comuns, com problemas comuns de personagens do final do século XIX russo (do qual já falei na resenha de “O Jardim das Cereijeiras” neste blog). Aquele desencanto com a vida, agravado nos longos dias de nevasca e só amenizado pela quentura do álcool.
O autor nos leva para dentro de uma dacha (ou casa de campo) onde vive uma família comum (um professor aposentado que sofre de gota ou reumatismo, sua jovem bela e desencantada esposa; sua filha moça e feia; Uma viúva meio amargurada, meio nostálgica, um cunhado e tio – o Vânia, também desencantado com a vida e deprimido que percebe o vazio que construiu até então com os seus erros e escolhas; um médico também desencantado com todo o resto e que se sente impossibilitado de amar – e mesmo assim ama , trabalha muito percorrendo as estradas enlameadas do interior à noite para socorrer doentes também desencantados em aldeias miseráveis; Um proprietário falido e ignorante.)
São personagens que encerram em si todo um fim de século no campo, marcado pelo fim da servidão, abandono nos confins esquecidos da velha Rússia, pela pobreza, pela decadência do que havia de nobre nas aldeias do interior do país e como o álcool vai se tornando a grande panaceia e ao mesmo tempo o grande mal do século.
Vânia não tem saída; é tarde para ele; Ninguém tem saída. Sobra apenas uma esperança para “o depois da vida”. E uma resignação. E continuar vivendo “até deus chamar” uma vida sem alegria, sem esperança, sem novidade; Uma vida a ser resignadamente cumprida, trabalhando e vivendo o que é posto.
E é só isso mesmo. A peça não tem grande enredo e nem um grande desfecho. É marcada por pequenas reflexões de pequenos personagens. O resto fica por conta de quem lê, ou vê.

“...vivemos cercados de pessoas absurdas – basta conviver com elas dois ou três anos e, aos poucos, sem nem perceber, também nos transformamos em seres absurdos. É fatal.”

“... mas o samovar  tem que ficar fervendo desde manhã cedo...”

“... uma vida ociosa é uma vida impura...”

“... eu amo a vida. Genericamente falando. Mas a nossa vida, o dia-a-dia da Rússia provinciana, isso eu não suporto...”

“... Na Rússia um homem de talento não atravessa a vida sem manchas.”