quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

TCHEKHOV



ANTON TCHEKHOV

Maiakóvski foi o primeiro autor russo que li. Eram tempos de Faculdade de História e lá se vão mais de vinte anos. Um colega, o Paulo Melo, emprestou-me uns três livros (Leminski e Maiakovski). Gostei dos haikais do poeta curitibano, mas o russo me arrebatou com seu vigor e retumbância. Maiakovski foi o poeta do socialismo, da revolução, do futurismo, dos grandes embates, das campanhas contra o tifo, dos cartazes e das camisas amarelas.
Num mundo em revolução queria também revolucionar a arte e a estética do século vinte que se iniciava. E o turbilhão revolucionário eclodiu em seu país, a Rússia, e se sonhava que arrastaria consigo o mundo inteiro. Maiakovski deixou-se envolver por ele e o acelerou com o melhor de suas energias.

“General
 da força humana
                        - verbo –
            Marche –
Que o tempo
            Cuspa balas
                        Para trás,
E o vento
No passado
            Só desfaça
                        Um maço
            De cabelos.
Para o júbilo
            O planeta
Está imaturo,
            É preciso
                        Arrancar
Alegria
            Ao futuro...”


            Depois lembro que comprei “A Poética de Maiakovski” do Boris Schnaiderman (Ed. Perspectiva) e o li, e reli, muitas vezes durante todos esses anos. Este livro me abriu um universo da arte russa, particularmente aquela de Moscou. (há uma diferença enorme de escolas entre Moscou e São Petersburgo). Daria para dizer que Moscou tem uma arte mais urbana, mais de vanguarda, e São Petersburgo cultiva mais uma arte clássica, erudita. Mas, claro, essa é uma divisão “grosso modo”; Se São Petersburgo tem o Mariinski, Moscou tem o Bolshói. Se Moscou tem Maiakovski e os futuristas, São Petersburgo tem Akhmatova, Block e os simbolistas.
            Via Maiakovski (seus textos em prosa, seus debates e embates) fui conhecendo Kliébnikhov, Brick, Pasternak (de Doutor Jivago), os futuristas e os formalistas, e os duros anos iniciais da Revolução de 1917. É dele a frase: “Em algum lugar, talvez no Brasil, existe um homem feliz”.
            E via Maiakovski conheci também Anton Tchekhov. E ter conhecido Tchekhov me abriu uma outra estrada. Uma estrada para Puchkin, para Gogol, para Gorki, para Turguenév e tantos outros, o que finalmente me permitiu chegar ao gigante Dostoievski.
            Com Tchekhov pela primeira vez entrei nas aldeias e andei nas estradas do interior frio da Rússia, em dias de nevasca; entrei em suas dachas e isbás, conheci mujiques (camponeses), oficiais, soldados, burocratas, comerciantes de armazéns de beira de estrada, mocinhas e mulheres desencantadas do século XIX. Pude sentir a profunda nostalgia da imensa “Mãe Rússia” que bebe muito chá ao redor do samovar e se embriaga com muita vodka nas festas santas dos domingos desesperançados.
            Anton Pavlovitch Tchekhov nasceu em 1860 no sudeste da Rússia e morreu em 1904 com apenas 44 anos. Formou-se médico, mas sua grande paixão foi a literatura. Autor de famosas peças teatrais como “Tio Vânia” e o “Jardim das Cerejeiras” sua grande obra sem dúvida foram os contos. Com eles Tchekhov atingiu a maestria. A maestria das histórias curtas, da síntese e da concisão. Às vezes em apenas uma página nos apresenta um mundo. E nos faz refletir.
            Já ao final de sua curta vida começa a escrever contos um pouco mais longos, mas com a mesma capacidade de síntese e concisão de antes.
            Tchekhov introduz no conto russo (e no conto em geral) o cotidiano das pessoas comuns, da gente simples das aldeias, com sua nobreza ingênua e sua rudeza que em muitas vezes beira a crueldade.
            Para Tchekhov não cabe a um escritor julgar ou pré-julgar um personagem ou uma história. Cabe a ele escrever simplesmente. E assim o faz. Apenas conta-nos com objetividade, como se revelasse um retrato do momento, deixando os julgamentos, as filosofias, as morais e os pesares para serem vividos pelos leitores. E há muito para se refletir em seus contos. Nenhum é gratuito.
            Em 1914 Maiakóvski escreveu um artigo intitulado “Os dois Tchekhovs” em que aponta que em sua época talvez ainda não se tenha compreendido verdadeiramente Tchekhov como um “esteta da palavra”. Aponta para o fato de Tchekhov não ser um filósofo ou moralista, mas um mestre da palavra, da língua, ou seja, seus contos seriam plenos de soluções lingüísticas, e não morais. Suas construções seriam simples e precisas, dizendo o que queria de uma forma absolutamente econômica.
            Coisa de gênio; que já prenunciava o futuro: economia e objetividade. Novas palavras e novas formas para novos homens que acorriam a novas cidades nos novos tempos. A vida urbana e cultural da Rússia se desenvolvia no final do século XIX (diferente do que contam os livros de história). Novos problemas e novos personagens surgiam. E as aldeias dos mujiques e dos coletores de impostos melancolicamente resistiam.
            No livro que acabo de ler “O Assassinato e Outras Histórias”, de Tchekhov, dos Clássicos da Abril Coleções, estão presentes todos esses elementos. São contos um pouco mais longos, embora todas as construções sejam simples, diretas, sintéticas e econômicas. Em Tchekhov não há uma palavra a mais nem a menos. Ele nos leva pela mão com uma intensidade de atenção e termina meio bruscamente, embora suave, como uma porta que bate às nossas costas com o vento. Quando vemos já é tarde. Já terminou. E ficamos pensando “em não sei bem o quê”... Coisa de gênio.
            Se vale a pena ler Tchekhov hoje? Tanto faz.