segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

São Petersburgo - A cidade da Rússia





São Petersburgo – a cidade da Rússia

Julio Pujol

Petersburgo nasceu da visão e ousadia de um Czar, Pedro, chamado “O Grande”, em 1703. Foi uma cidade planejada e construída como a nossa Brasília; a diferença é que foi há uns 300 anos atrás.
Erguida num pantanal às margens do rio Neva, Petersburgo (ou São Petersburgo) simbolizava para Pedro a porta de entrada (ou janela) da Rússia para o Ocidente.
Com a visão de que a Rússia (quase feudal) precisava se modernizar aproximando-se da Europa, Pedro concebeu a cidade com tudo o que de melhor havia em seu tempo. Luxuosos palácios, arquitetura neoclássica, planejamento urbano (que funciona bem até hoje), teatros, canais, parques... Tradição e modernidade são marcas de Petersburgo.
Pedro chama suas principais ruas de “Perspectivas” (Prospekt) e não de avenidas. É assim com a lendária Nevski Prospekt ou Perspectiva Nevski. Perspectiva, de sua etimologia grega: “ver ao longe”. De fato a Nevski Propekt, próxima às margens do rio Neva, possui mais de cinco quilômetros em linha reta permitindo, realmente, ver ao longe.
Criada no inicio do século XVIII como um sonho, uma visão, Petersburgo passou a ser a capital do imenso Império Russo, que naquela época já ia do Cazaquistão ao Báltico, de Vladivostok à Ucrânia. São Petersburgo nasceu para ser a síntese deste Império.
Pela sua inicial artificialidade e exotismo (uma cidade de palácios no meio do nada) Petersburgo acabou construindo um mito sobre si mesma. Um mito talvez forjado sob os milhares de russos mortos em sua construção. (Imagine-se construir uma cidade de palácios no meio de pântanos gelados há mais de trezentos anos atrás).
 Dificílimo falar de Petersburgo em poucas linhas. Uma cidade que fazendo jus ao seu mito, foi palco de grandes e trágicos acontecimentos, principalmente no século XX. Para além das intempéries climáticas como enchentes e nevascas, Petersburgo sofreu muito com a intervenção política.
Em 1917 foi palco da Revolução comandada por Lênin que ocupou o então chamado Palácio de Inverno (hoje Museu Hermitage). Uma revolução que foi trágica para a cidade que já abrigava a melhor indústria russa, a vida intelectual, os poetas, os teatros e as óperas; os bancos e os jornais, as grandes orquestras e as editoras.
Então vieram as expropriações, a censura, as perseguições à intelectualidade e a guerra civil. Na década de 1930/40 Stalin dá mais um golpe à cidade, devastando com sua intelectualidade.
Em 1941 Petersburgo (então chamada Leningrado) é cercada e bombardeada pelos nazistas durante novecentos dias. Três quartos de sua população desaparece pela fome, pelo frio e pelos bombardeios. Mas Leningrado resistiu.
Com o fim da União Soviética (ou do socialismo na Rússia), na década de noventa, Leningrado realiza um plebiscito e decide retomar seu antigo nome, São Petersburgo.
Com a abertura (a Perestroika e a Glanost) São Petersburgo começa a retomar o seu papel de centro cultural russo-europeu.
Hoje Petersburgo é uma cidade aberta, dinâmica, lotada de turistas de todo o mundo. As “noites brancas” são um atrativo a mais do verão petersburguense.

UMA HISTÓRIA CULTURAL
Se para a Rússia Moscou é força, economia, política, São Petersburgo é arte. Arte que transborda em cada esquina, em cada prédio, em cada canal, em cada ponte.
Moscou tem hoje onze milhões de habitantes e concentra o poder político (no Kremlin) de todo o país. São Petersburgo com quase cinco milhões, concentra grande parte do turismo; um turismo essencialmente cultural. Seus teatros, bares, restaurantes estão sempre lotados. Os passeios de barco pelos canais e pelo Neva são imperdíveis. Os palácios como Peterhof são estupendos. Na realidade apenas passear pelas ruas e observar a arquitetura, os monumentos, e as grandes perspectivas já vale a viajem.
O livro “São Petersburgo, uma história cultural” do músico, crítico cultural e escritor petersburguense, Salomon Volkov (Editora Record, 1997) mostra-nos a Cidade de Pedro através de uma perspectiva histórico- cultural, situando-a ao lado das grandes capitais culturais do mundo como Paris, Roma e Barcelona.  É uma preciosidade. (nem sempre “preciosidade” refere-se a algo raro ou antigo. Às vezes o termo refere-se ao conteúdo de uma obra. Esse é o caso).
Com essa obra Volkov faz, no campo cultural, para a Rússia, o que anteriormente já havia feito Soljenitsin no campo político com o “Arquipélago Gulag”. Uma obra definitiva. Um clássico. (para quem se interessa pelas coisas da Rússia essas duas publicações são imprescindíveis).
Sem dúvida “Uma história Cultural” é um livro mais “útil” aos profissionais e amantes da música, do balet, da poesia, da literatura e da história. Porém aos contemporâneos de seu tempo, interessados no humano e suas manifestações, é um livro quase imperdível.
Quem não está disposto e aberto não deve aventurar-se por suas mais de seiscentas páginas. Mas, aos de alma e curiosidade aberta é uma bela aventura, um belo passeio pela cultura desta metrópole, ao mesmo tempo regional e cosmopolita. Um tanto exótica (no sentido de estranha), porém, como quase tudo que os russos fazem, grande e única. O livro é uma delícia.
Volkov pega o “fio” do mito petersburguense e descortina a sua modificação e evolução através da história e das manifestações culturais. É preciso lembrar que Petersburgo é a cidade onde brilharam Glinka e os “Cinco Grandes” na música (Korsakov, Mussorgski, Cui, Borodin e Balakirev), também Tchaikoviski, Rachmaninov, Shostakovich e tantos outros.
Pushikin, Gogol, Tchekov e Dostoiévski (assim como tantos outros também...) tiveram Petersburgo como cenário de suas obras.
É a cidade dos poetas Block e Akhmatova, e também de tantos outros...
No balet, tem e teve os melhores do mundo (bailarinos, coreógrafos, produtores) Balanchine, Nijinski, Petipa, Barishinikov e também tantos e tantos... Claro, é sede do Mariinski e do Kírov.
Impossível falar de Petersburgo nestas poucas linhas. Teria que citar a excelência acadêmica, o complexo militar marítimo, falar do Hermitage, da Fortaleza de Pedro e Paulo, das Igrejas, da livraria Dom Kiniga, da Nevski, do Jardim de Verão, do Teatro Alexandrinski e do povo, claro; do jeito petersburguense de ser.
Uma experiência: ao visitar Petersburgo não espere uma experiência comum, normal. A cidade se impõe sobre você desde o primeiro momento. Acostume-se a andar em uma galeria a céu aberto. Cada prédio, cada esquina, cada canal, cada ponte é uma obra de arte. Em alguns momentos você pensa: “eu só queria uma cidade normal”; é muita arte, muita beleza, muita grandiosidade. E o Neva está sempre ali, calmo e silencioso, como que guardião do espírito da cidade.