domingo, 6 de julho de 2014

Ler Sêneca

“Domingo frio... um bom (lugar) pra ler um Sêneca...”

         Sim um Sêneca. E por que não um Sêneca?  Talvez seja difícil, complicado, inatingível, ou caro? Talvez seja antigo, velho ou ultrapassado. Talvez seja para especialistas ou eruditos... Talvez ninguém leia; ninguém saiba. Talvez...
         
           Mas, parodiando Romano de Santana: “gente, estamos em julho de 2014, e é de tarde, e chove... e um fio de cabelo branco já me surge...” E lembrando Bandeira: “lá fora chovia uma triste chuva de resignação...”.
Sêneca é um clássico, e por isso vale a pena lê-lo. E o que é mesmo um clássico ou porquê alguém se torna um clássico? E porquê alguém deveria ler um clássico? Num universo turbilhionado de publicações como saber o que ler? Como aproveitar o nosso raro tempo com algo que valha a pena?
Sem delongas, um clássico é um que escreve partindo de um critério, o critério da vida (da natureza ou do real, que neste caso são sinônimos). O resto é doxa (opinião) e de doxa o mundo está cheio. Mas como saber?
Para saber existem dois caminhos seguros. O primeiro é um critério próprio: o que me faz mais vida. O que me faz crescer; me faz mais, me expande (e isso é sinônimo de bem). É mais vida para mim? Me faz compreender mais? Então é válido. O segundo critério é receber orientação de um sábio; de alguém que já trilhou antes o caminho que eu pretendo trilhar. Com humildade se encurta esse caminho e se acelera o passo.
Tem uma terceira dica: olhar as listas dos 10 mais vendidos nas Feiras e as críticas dos especializados. E vá sozinho na direção contrária porque os clássicos e a sabedoria da vida normalmente não estão nestas listas.
Sêneca é um autor que poucos leem, mas encontramos suas frases nos marcadores de livros, principalmente das congregações. Um autor cujos escritos perduram por dois mil anos já é um motivo ao menos de curiosidade. Isso também o torna um clássico, mas clássico e antigo não são sinônimos. De fato Sêneca era um sábio porque atingiu a sabedoria da vida, do real e por ela se guiou; compreendeu e praticou a virtude, e sobre ela escreveu.
Neste chuvoso domingo leio “Da Felicidade”, um Tratado curto e singelo, com indicações simples para quem quer começar a andar, transformando um domingo de chuva em um dia de sol.
E o que diz “Da Felicidade”?
Sêneca diz que para alcançarmos a felicidade devemos “determinar, por isso, em primeiro lugar, o que desejamos e, em seguida, por onde podemos avançar mais rapidamente neste sentido.” Traduzindo para a linguagem atual, para sermos felizes precisamos ter um objetivo, um projeto que dê sentido a vida. E Sêneca diz que normalmente esse caminho não é o mais percorrido:
“Nada é mais importante, portanto, que não seguir como ovelhas o rebanho dos que nos precederam, indo assim não aonde querem que se vá, senão onde se deseja ir. E, certamente, nada é pior do que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencido de que o melhor é aquilo a que todos se submetem, considerar bons os exemplos numerosos e não viver racionalmente, mas sim por imitação”.
“Morremos seguindo o exemplo dos demais. A saída é nos separarmos da massa e ficarmos a salvo.”
“... Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que as coisas melhores agradem a maioria. A multidão é argumento negativo. ... o vulgo é um péssimo intérprete da verdade...”
Para Sêneca o caminho da felicidade é o caminho da virtude. E o caminho da virtude é um caminho difícil, um tanto solitário. Seguindo os outros nunca se chega. A felicidade e a sabedoria (a virtude) consistem em seguir os ditames da natureza (da vida) e nunca se afastar deles. “A felicidade é, por isso, o que está coerente com a própria natureza...”. Natureza aqui entendido como as grandes leis e os grandes princípios da vida. Daí advém “uma constante tranquilidade e liberdade”.
Para ele “o bem supremo é uma alma que despreza as coisas fúteis e se satisfaz com a virtude”, “para quem o único bem é a dignidade e o único mal é a desonestidade”. “A virtude é algo de elevado, nobre, invencível e infatigável”, distanciando-se, portanto, dos prazeres imediatos que “não tem consistência” e desviam o homem da virtude. Sêneca afirma que o homem “seja o próprio artífice de sua vida” e não seja comandado pelos prazeres externos. Embora, o sábio latino afirma também que a virtude gera um prazer, mesmo que este não seja o seu fim. E compara com um campo arado para o plantio onde brotem também flores. Esse não era o seu objetivo, mas elas são bem vindas.
O sábio, para Sêneca, inclui os prazeres “em sua vida tal como peças de um jogo, misturando-os as coisas mais sérias, de forma a não se destacarem.   Vive-os de forma moderada, comedida, controlados e pouco perceptíveis...”. A virtude exige encarar as coisas da vida, sejam as boas quanto as duras, com espírito forte.
E o que se ganha com tudo isso? Sêneca responde: “privilégios dignos dos deuses. Não serás forçado a nada; não terás necessidade de nada. Serás livre”. A liberdade para Sêneca é o grande bem.
E o sábio (homem virtuoso) sempre é atacado pelos seus próximos “já que a virtude alheia parece demonstrar os seus próprios vícios”, assim como o homem que “tem problemas na vista não suporta a luz”.
Por fim Sêneca explica a relação do sábio com a riqueza: “Assim, não resta dúvida de que o homem sábio tem um campo mais vasto para desenvolver o seu espírito em meio à riqueza do que na pobreza”.  “...portanto a riqueza é agradável ao sábio assim como o vento favorável ao navegante”. Mas o sábio não é escravo da riqueza, ele convive bem com ela e a usa para potencializar o bem.
Lúcio Anneo Sêneca nasceu em Córdoba, Espanha, cidade que tive o prazer de conhecer a alguns anos. Uma mescla de cultura e arquitetura árabe, judia e romana. Uma joia. Sêneca nasceu no ano 4 AC e morreu em 65 DC e foi educado em Roma onde estudou retórica e filosofia. Como vimos, seus escritos tem atravessado os séculos assim como os de Cícero, Platão, Aristóteles...
Uma coisa boa deste nosso tempo é que se pode encontrar textos de Sêneca, e de tantos outros clássicos, em qualquer médio mercado da esquina, ou em livrarias de bairro, em publicações da L&PM por em torno de dez reais. Não dá pra não ler. Acho que ganhei o domingo.
“Onde houver um ser humano, aí haverá possibilidade de se fazer o bem.” Sêneca.










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